A rescisão indireta do contrato de trabalho
29 de março de 2023

Como pedir a Rescisão Indireta do Contrato de Trabalho?

1. O que é a rescisão indireta?

A rescisão indireta do contrato de trabalho é um tema importante e muitas vezes pouco conhecido pelos trabalhadores brasileiros.

Trata-se de uma forma de rompimento do contrato de trabalho que é provocada pelo próprio empregado em decorrência de uma falta grave cometida pelo empregador, que torna a continuação do vínculo empregatício insustentável.

Nesses casos, o trabalhador decide rescindir o contrato de trabalho de forma imediata, sem cumprir o aviso prévio e com direito a receber todas as verbas rescisórias decorrentes da demissão sem justa causa, caso a Justiça lhe dê razão.

2. Quando é cabível a rescisão indireta?

A rescisão indireta está prevista no artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que elenca as hipóteses em que o empregado pode considerar rescindido o contrato de trabalho por culpa do empregador. São elas:

a) exigir do empregado serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

b)  for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;

c) correr perigo manifesto de mal considerável;

d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários;

Como se vê, trata-se de uma medida extrema que só deve ser tomada em casos graves, nos quais o empregado se vê diante de uma situação insustentável e não tem outra alternativa senão rescindir o contrato de trabalho.

É importante ressaltar que o empregado que opta pela rescisão indireta deve estar seguro de que está diante de uma das situações previstas no artigo 483 da CLT, pois a decisão pode ter consequências negativas para ele caso não consiga provar a falta grave cometida pelo empregador.

3. Os casos mais comuns

É impossível prever todas as situações reais que podem ensejar a rescisão indireta do contato de trabalho. Mas podemos citar os casos mais comuns, nos quais a Justiça do Trabalho tende a acolher o pedido do trabalhador:

1. Atraso no pagamento de salários: o atraso reiterado no pagamento de salários é considerado uma falta grave do empregador e pode motivar a rescisão indireta do contrato de trabalho pelo empregado.

2. Depósitos do FGTS em atraso: assim como no caso anterior, o atraso reiterado na realização dos depósitos do FGTS também é considerado falta grave pela Justiça, o que autoriza a rescisão indireta.

RESCISÃO INDIRETA. NÃO CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS. CONFIGURAÇÃO. Por se tratar de descumprimento de obrigações essenciais do contrato de trabalho, o atraso reiterado no pagamento dos salários e o não recolhimento integral dos depósitos fundiários, constituem faltas graves aptas a dar ensejo à rescisão indireta do contrato de trabalho, por culpa do empregador, conforme previsto no art. 483, d, da CLT. (TRT 19ª R.; ROT 0000070-18.2022.5.19.0058; Primeira Turma; Rel. Des. Pedro Inácio da Silva; DEJTAL 23/02/2023; Pág. 660

3. Assédio moral: o assédio moral no ambiente de trabalho pode configurar uma falta grave do empregador e justificar a rescisão indireta do contrato de trabalho pelo empregado.

RESCISÃO INDIRETA. ASSÉDIO MORAL. Para a caracterização do assédio moral há que se verificar a conduta reiterada (comissiva ou omissiva) de expor a empregada a humilhações e constrangimentos, no ambiente de trabalho. No presente caso, observa-se que, por meses, houve tratamento humilhante, direcionado à reclamante, com xingamentos diante da equipe e de clientes, no ambiente público da loja. Caracterizado o assédio moral, autoriza-se a rescisão indireta do contrato de trabalho, mantendo-se igualmente a condenação pecuniária imposta em 1º. Grau, pois compatível com a extensão do dano prolongado ao longo do tempo. (TRT 11ª R.; ROT 0000106-94.2020.5.11.0012; Primeira Turma; Rel. Des. David Alves de Mello Júnior; DJE 17/03/2022)

4. Descumprimento de obrigações contratuais: o descumprimento de obrigações contratuais pelo empregador, como, por exemplo, não fornecer os equipamentos de proteção individual, pode motivar a rescisão indireta do contrato de trabalho pelo empregado.

5. Mudança unilateral das condições de trabalho: a alteração unilateral das condições de trabalho, como, por exemplo, a redução de salário sem justificativa ou a mudança do local de trabalho sem acordo prévio, pode motivar a rescisão indireta do contrato de trabalho pelo empregado.

6. Exposição a risco de vida: a exposição do empregado a risco de vida sem as devidas precauções de segurança pode configurar uma falta grave do empregador e justificar a rescisão indireta do contrato de trabalho pelo empregado.

RESCISÃO INDIRETA. PERIGO MANIFESTO DE MAL CONSIDERÁVEL. Não se admite a inércia do empregador quanto à observância de normas relacionadas à saúde e proteção de seus empregados, mormente quando este descumprimento acarreta risco iminente de vida. No caso dos autos, verificou-se, por meio da prova testemunhal, que a empregadora não respeitava as normas de saúde e segurança do trabalho, ao exigir que o trabalhador - sem qualquer proteção - escalasse prateleiras com cerca de cinco metros de altura para retirada de mercadorias, o que, por si só, gera perigo manifesto de mal considerável, apto a ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho, com fulcro no artigo 483, alínea c da CLT. Recurso da Ré a qual se nega provimento. (TRT 23ª R.; RO 0001347-95.2014.5.23.0007; Primeira Turma; Rel. Juiz Conv. Juliano Girardello; Julg. 14/07/2015; DEJTMT 22/07/2015; Pág. 182)

7. Descumprimento de normas trabalhistas: o descumprimento de normas trabalhistas, como por exemplo, a ausência de registro em carteira ou a não concessão de férias, pode motivar a rescisão indireta do contrato de trabalho pelo empregado.

RECURSO ORDINÁRIO. NÃO ANOTAÇÃO DA CTPS. Rescisão indireta. A ausência de anotação da CTPS do autor enseja a rescisão indireta, prevista na alínea "d" do art. 483 da CLT, sendo o registro na CTPS, o primeiro dever do empregador e condição para o cumprimento dos demais. (TRT 8ª R.; ROT 0000254-91.2022.5.08.0118; Terceira Turma; Rel. Des. Carlos Rodrigues Zahlouth Júnior; DEJTPA 07/02/2023)

É importante ressaltar que cada caso deve ser analisado individualmente e que a rescisão indireta do contrato de trabalho é uma medida extrema. Justamente por isso, é recomendável que ela só seja requerida após tentativas de negociação e solução do problema com o empregador.

4. Como funciona na prática?

O primeiro passo para o empregado que deseja ingressar com uma ação de rescisão indireta é buscar a orientação de um advogado especializado em direito do trabalho. O advogado irá analisar a situação do empregado e verificar se há elementos suficientes para caracterizar a falta grave cometida pelo empregador e justificar a rescisão indireta do contrato de trabalho.

Uma vez que o advogado tenha verificado a existência de elementos suficientes para a rescisão indireta, ele irá elaborar a petição inicial da ação de rescisão indireta e apresentá-la à Justiça do Trabalho. Na petição inicial, serão apresentados os fatos que motivaram a rescisão indireta, bem como os pedidos de reconhecimento da falta grave, rescisão do contrato de trabalho e pagamento das verbas rescisórias devidas.

Após a apresentação da petição inicial, o empregador será notificado para apresentar sua defesa. Na defesa, o empregador poderá negar os fatos alegados pelo empregado, apresentar justificativas para a falta grave alegada ou reconhecer a falta grave e tentar negociar uma rescisão amigável do contrato de trabalho.

Ao longo do processo, serão realizadas audiências de conciliação e instrução, nas quais as partes poderão apresentar suas argumentações e provas. Caso não haja acordo entre as partes, o juiz irá proferir uma sentença, reconhecendo ou não a falta grave cometida pelo empregador e determinando a rescisão do contrato de trabalho e o pagamento das verbas rescisórias devidas.

Caso o juiz reconheça a rescisão indireta do contrato, o empregador será condenado a pagar todas as verbas rescisórias decorrentes da demissão sem justa causa, como, por exemplo, aviso prévio, férias vencidas e proporcionais, décimo terceiro salário, saldo de salário e multa de 40% sobre o FGTS.

O trabalhador também poderá sacar a integralidade do FGTS depositado (caso não tenha aderido ao saque-aniversário) e ainda poderá ter acesso ao seguro-desemprego, se cumprir os demais requisitos.

Além das verbas rescisórias, o empregado pode ter direito a receber indenizações, como, por exemplo, por danos morais, se ficar comprovado que a falta grave cometida pelo empregador causou danos à sua integridade psicológica ou moral.

5. Conclusão

Em resumo, a rescisão indireta é uma opção para o empregado quando o empregador comete uma falta grave que inviabiliza a continuidade do contrato de trabalho.

É importante destacar que o processo de rescisão indireta do contrato de trabalho pode ser demorado e complexo, e que o empregado deve estar preparado para enfrentar esse processo judicial.

Por isso, é fundamental contar com o apoio de um advogado especializado em direito do trabalho, que poderá orientar o empregado em todas as etapas do processo e defender seus interesses perante a Justiça do Trabalho.

Se o processo for bem-sucedido, o empregado terá direito às verbas rescisórias decorrentes da demissão sem justa causa, bem como poderá sacar o FGTS e se habilitar no seguro-desemprego, caso cumpra os requisitos para tanto.

Por isso, é importante que o empregado conheça seus direitos e saiba como proceder em casos de descumprimento por parte do empregador.

Se você está passando por essa situação não hesite em buscar orientação jurídica especializada para garantir seus direitos e interesses.

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Até a próxima!

Conteúdo produzido por Marcelo Ferreira Cruvinel e Miguel Fiorini Fernandes Dutra, integrantes do escritório Nobre & Cruvinel – Sociedade de Advogados.

Marcelo Ferreira Cruvinel

Advogado graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina - UEL. Pós-graduado em Direito Empresarial do Trabalho pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas - FGV. Pós-graduado em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica - PUC. Membro da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Paraná (OAB-PR 61.510).