falência
6 de agosto de 2022

A falência e suas consequências

Em nossos últimos artigos acerca do Direito Empresarial aqui do blog, falamos sobre os chamados Planos de Recuperação, Judicial e Extrajudicial, métodos utilizados pelas empresas em crise escaparem da falência.

Mas o que ocorre quando estes métodos não surtem efeito e a empresa não consegue se recuperar? 

É sobre o que acontece com a empresa quando esta não consegue sanar as dívidas com seus credores, e quanto a todas as consequências do processo de falência, que iremos falar neste artigo. Acompanhe conosco!

1. O que é falência?

Regulamentada na Lei nº 11.101/2005, a Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência, esta última pode ser conceituada como o procedimento jurídico que visa o encerramento das atividades empresariais da pessoa jurídica devedora, de forma que os credores sejam devidamente pagos, proporcionalmente ao crédito de cada um ou para que os prejuízos destes sejam reduzidos ao máximo.

Dessa forma, na falência é realizada a apuração e venda dos bens de uma empresa que não possui mais condições de arcar com suas dívidas, pagando os credores logo em seguida. 

Importante ressaltar que apenas empresas podem falir, sendo a Lei nº 11.101/2005 aplicada especialmente para elas, e com algumas exceções, como as empresas públicas e sociedades de economia mista, controladas pela Administração Pública, os bancos e cooperativas de crédito, seguradoras, entre outras empresas que possuem tratamentos diferentes na lei brasileira. 

2. Por que a falência é decretada?

Para a decretação da falência, é necessária a identificação do chamado estado de insolvência.

A insolvência é um estado em que o devedor tem prestações a cumprir superiores aos rendimentos que recebe, não conseguindo cumprir as suas obrigações.

Geralmente, nessa etapa, as empresas procuram seus advogados para elaborar um Plano de Recuperação e mudar este cenário. Mas, como já falamos em outros artigos aqui do blog, a empresa pode não conseguir seguir o plano e pagar seus credores.

Então, os credores que não estão sendo pagos pela empresa podem requerer a falência do devedor perante o poder Judiciário, sendo assim o início mais comum dos processos de falência.

Outros podem, porém, pedir a falência do devedor, sendo eles:

  • O cônjuge sobrevivente ou qualquer herdeiro do devedor; 
  • Um de seus sócios; 
  • Ou até mesmo o próprio devedor, na chamada autofalência.

Dessa forma, a lei prevê que para requerer a falência o requerente apresente à Justiça a justificativa da insolvência, que pode ser uma das seguintes:

  • a) O inadimplemento injustificado de títulos executivos cujo valor ultrapasse 40 (quarenta) salários mínimos; 

Este valor pode ser alcançado pelo somatório de múltiplos créditos de múltiplos credores, e os títulos relativos a esses créditos devem ter sido devidamente protestados com a finalidade específica de postular a falência.

  • b) O não pagamento de uma execução judicial líquida;

Quando o devedor deixa de pagar uma dívida líquida resultante de uma sentença transitada em julgado, ou não ofereça bem à penhora, nem deposite o valor em juízo, no prazo que for legalmente previsto. 

  • c) A prática de algum outro ato de falência, o qual demonstra violação à boa-fé e à segurança das relações jurídicas.

O artigo 94 da Lei nº11101/05 traz os seguintes atos:

O artigo 94 traz os seguintes atos de falência:
a) proceder à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos;
b) realizar ou, por atos inequívocos, tentar realizar, com o objetivo de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não;
c) transferir estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;
d) simular a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;
e) dar ou reforçar garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;
f) ausentar-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar os credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;
g) deixar de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação judicial.

3. A autofalência

Como dito anteriormente, é possível que a própria empresa devedora, ou um de seus sócios, requeira a chamada “autofalência”, reconhecendo não ser possível continuar com suas atividades. 

Ao demonstrar essa condição, o devedor é afastado de suas atividades, com a finalidade de ser preservada e otimizada a utilização produtiva dos referidos bens, ativos e demais recursos produtivos da empresa enquanto não são vendidos para satisfazer os créditos.

4. As consequências da falência

Se o devedor não conseguir evitar a falência, por meio de um plano de recuperação ou provando uma das várias matérias de defesa junto de seu advogado, esta será decretada pela Justiça, gerando uma série de consequências para a empresa, seus sócios e credores.

Um desses efeitos é a formação do juízo universal, ou seja, todo o dinheiro que entra e sai da empresa deve ser conhecido e processado por aquele juiz responsável pelo processo de falência, com exceção de causas trabalhistas e fiscais.

É como se o juiz se tornasse uma espécie de “tesoureiro” da empresa, uma vez que toma conhecimento e decide sobre todo o crédito relacionado a ela.

Além disso, ficam suspensas outras execuções do devedor enquanto o processo de falência está em vigor, e também a contagem do prazo de prescrição das obrigações do devedor.

O falido é, então, afastado das atividades da empresa, sendo substituído por administrador judicial, com o intuito de preservar e mesmo otimizar a utilização produtiva dos ativos e bens da empresa, assim como ocorre com a Recuperação Judicial

Além de afastado do negócio, o devedor não pode mais exercer qualquer atividade empresarial, o que também pode ser aplicado a demais administradores e sócios, se julgado necessário.

A decretação de falência também impõe, no artigo 104 da Lei de Falências, os seguintes deveres:

Deveres - Artigo 104 da Lei de Falências
I - assinar nos autos:
a) as causas determinantes da sua falência, quando requerida pelos credores;
b) tratando-se de sociedade, os nomes e endereços de todos os sócios, acionistas controladores, diretores ou administradores, apresentando o contrato ou estatuto social e a prova do respectivo registro, bem como suas alterações;
c) o nome do contador encarregado da escrituração dos livros obrigatórios;
d) os mandatos que porventura tenha outorgado, indicando seu objeto, nome e endereço do mandatário;
e) seus bens imóveis e os móveis que não se encontram no estabelecimento;
f) se faz parte de outras sociedades, exibindo respectivo contrato;
g) suas contas bancárias, aplicações, títulos em cobrança e processos em andamento em que for autor ou réu;
II - entregar ao administrador judicial os seus livros obrigatórios e os demais instrumentos de escrituração pertinentes, que os encerrará por termo;
III – não se ausentar do lugar onde se processa a falência sem motivo justo e comunicação expressa ao juiz, e sem deixar procurador bastante, sob as penas cominadas na lei;
IV – comparecer a todos os atos da falência, podendo ser representado por procurador, quando não for indispensável sua presença;
V - entregar ao administrador judicial, para arrecadação, todos os bens, papéis, documentos e senhas de acesso a sistemas contábeis, financeiros e bancários, bem como indicar aqueles que porventura estejam em poder de terceiros;
VI – prestar as informações reclamadas pelo juiz, administrador judicial, credor ou Ministério Público sobre circunstâncias e fatos que interessem à falência;
VII – auxiliar o administrador judicial com zelo e presteza;
VIII – examinar as habilitações de crédito apresentadas;
IX – assistir ao levantamento, à verificação do balanço e ao exame dos livros;
X – manifestar-se sempre que for determinado pelo juiz;
XI - apresentar ao administrador judicial a relação de seus credores, em arquivo eletrônico, no dia em que prestar as declarações referidas no inciso I do caput deste artigo;
XII – examinar e dar parecer sobre as contas do administrador judicial.

Faltando ao cumprimento de quaisquer dos deveres que esta Lei lhe impõe, após intimado pelo juiz a fazê-lo, responderá o falido por crime de desobediência.

4.1.  O pagamento dos credores

Após a decretação da falência, os bens e as dívidas da empresa são analisadas pelo administrador judicial, que arrecada os bens, e faz acontecer a venda desses ativos e o pagamento dos credores, que opinam através de um comitê e da Assembléia Geral de Credores.

Ocorre, então, a venda do ativo, isto é, de todos os bens da empresa, conduzida pelo administrador judicial, sob a supervisão da Justiça e dos credores, para então estes receberem seus pagamentos.

O art. 83 da Lei de Falências, estabelece a seguinte ordem de prioridade para o pagamento dos credores:

Ordem de prioridade para o pagamento dos credores:
1 – os créditos derivados da legislação trabalhista, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por credor, e aqueles decorrentes de acidentes de trabalho; 
2 – os créditos gravados com direito real de garantia até o limite do valor do bem gravado; 
3 – os créditos tributários, independentemente da sua natureza e do tempo de constituição, exceto os créditos extraconcursais e as multas tributárias;  
4 – os créditos quirografários, a saber: a) aqueles que não se enquadram nas demais hipóteses expressamente previstas; b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento; e c) os saldos dos créditos derivados da legislação trabalhista que excederem o limite de 150 (cento e cinquenta) salários mínimos;
5 – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, incluídas as multas tributárias;
6 – os créditos subordinados, quais sejam os previstos em lei ou contrato, os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício;
7 – os juros vencidos após a decretação da falência.

5. Como termina a falência?

Após a venda dos bens e a distribuição do produto dessa venda entre os credores, o administrador judicial apresenta contas ao juiz, que pode aprová-las.

Julgadas as contas, o administrador judicial apresenta o relatório final da falência no prazo de 10 (dez) dias, no qual indica o valor do ativo e o do produto de sua realização, o valor do passivo e o dos pagamentos feitos aos credores, e especificará justificadamente as responsabilidades com que continuará o falido.

Com a apresentação desse relatório, a falência é encerrada por sentença do juiz, que determina a baixa da falida no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ).

No entanto, mesmo que os bens tenham se esgotado, as obrigações da empresa falida só se encerram se houver o pagamento de todos os créditos, ou se, depois de vendidos todos os bens, tenham sido pagos mais de 25% dos créditos quirografários, aqueles que decorrem somente do simples encontro de vontade entre as partes, e tem como garantia a simples promessa do devedor em cumprir com a obrigação.

Caso contrário, as obrigações do falido só irão se encerrar após decorridos 3 (três) anos desde a sentença que decreta a falência. 

6. O patrimônio particular do falido pode ser afetado?

É possível a responsabilização de terceiro, grupo, sócio ou administrador por obrigação da sociedade falida, para alcançar o patrimônio particular deles e ocorrer a coleta de ativos adicionais no processo de falência, não limitando-se aos bens de propriedade da empresa, o que é previsto no artigo 82 da Lei de Falências.

Para isso, ocorre a desconsideração da personalidade jurídica, que deve ser aplicada em acordo com o artigo 50 do Código Civil.

A regra do processo de falência, porém, é atingir somente o patrimônio da empresa falida, podendo ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica apenas provando a ocorrência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial por parte do devedor, ou seja, que ele usou a personalidade jurídica da empresa falida para lesar seus credores.

Exemplo conhecido é a constituição de empresas “laranjas”, cuja existência serve na verdade para blindar o patrimônio de outra. 

Já a confusão patrimonial ocorre quando não há separação entre o que é de propriedade do sócio e o que é da empresa. O que pode ser comprovado, baseando-se no Código Civil, quando ocorre cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa.

Ou ainda, a transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações (veículos ou imóveis de uso particular no nome da empresa, utilização de cartão corporativo para compras pessoais, etc.) e outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

7. Como evitar a falência?

Se a sua empresa está passando por uma crise, atendendo os requisitos do estado de insolvência, mencionado anteriormente, isso não significa, necessariamente que ela irá falir.

O devedor tem o direito de se manifestar sobre a falência requerida e pode procurar um advogado para auxiliá-lo no processo e buscar alternativas para salvar sua empresa.

A alternativa mais “óbvia” é, claro, o pagamento ou caução do valor da dívida acrescida de juros, correção e honorários, quando o requerimento for baseado no inadimplemento superior a 40 salários mínimos ou na execução frustrada. É conhecido como Depósito Elisivo, exatamente porque o valor depositado servirá para extinguir, o processo de falência.

Outras alternativas são a Recuperação Judicial e a Extrajudicial, das quais já falamos em artigos anteriores aqui do nosso blog, além de também ser possível alegar e provar uma matéria de defesa com o seu advogado, como qualquer fato que extinga ou suspenda obrigação ou não legitime a cobrança de título.

8. Conclusão

Você muito provavelmente percebeu que a falência não é apenas ruim para os devedores, o que é claro, mas também para os credores e toda a sociedade.

A empresa funcionando cumpre uma função social e, portanto, é preferível, e pretendido pela lei, que a empresa passe por uma recuperação e restaure sua capacidade produtiva, além de conseguir pagar os seus credores que, por sua vez, continuam a cumprir suas funções.

Se você está passando por situações como essas em seu negócio, nossos advogados especializados em direito empresarial estão disponíveis para prestar apoio e tirar todas as suas dúvidas!

Ou, se você conhece alguém que precisa de ajuda com o assunto, encaminhe este artigo para ele!

Aproveite e veja também nossos outros artigos sobre direito empresarial aqui do nosso blog!

Até a próxima!

Conteúdo produzido por Miguel Fiorini Fernandes Dutra e Jaite Corrêa Nobre Júnior, integrantes do escritório Nobre & Cruvinel – Sociedade de Advogados.

Jaite Corrêa Nobre Júnior

  • Advogado graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina - UEL.
  • Pós-graduado em Direito do Agronegócio pelo Instituto de Ensino e Pesquisa - INSPER, São Paulo.
  • Pós-graduado em Direito Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina - UEL.
  • Aluno especial do Mestrado em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina - UEL.
  • Membro da Ordem dos Advogados do Brasil – Secções Paraná (OAB-PR 55.446) e Goiás (OAB-GO 56.214).