Trabalhador realizando horas extras
11 de outubro de 2021

Meu cargo é de confiança: tenho direito a hora extra?

Não, não tem direito. Vou começar esse post de uma maneira bem direta. Se você realmente exerce um cargo de confiança, não está sujeito a controle de jornada e, portanto, não tem direito a hora extra. 

Então quer dizer que o assunto acabou e não há mais nada o que falar? Calma lá, a grande questão não é essa, mas sim verificar se o seu cargo é, de fato, um verdadeiro cargo de confiança.

Isso porque tem muito trabalhador por aí sem receber horas extras porque acha que exerce um cargo de confiança, mas que, do ponto de visto jurídico, é um empregado como outro qualquer.

Será que você se enquadra nessa situação? É isso que eu vou te explicar a seguir.

1. Como saber se meu cargo é de confiança?

Para que um cargo seja considerado como de confiança, é necessária a presença simultânea de dois requisitos, os quais estão presentes no art. 62 da CLT.

O primeiro requisito, de caráter objetivo, é facilmente identificável. Trata-se do recebimento de gratificação de função de 40% sobre o salário efetivo. Essa gratificação visa recompensar o trabalhador por assumir grandes responsabilidades.

O segundo requisito, de aspecto subjetivo, é a presença de amplos poderes de mando e gestão. Ou seja, o trabalhador deve atuar como um verdadeiro representante do empregador, com autonomia na tomada de decisões relevantes para a empresa.

Por mais que a nomenclatura do cargo transmita a ideia de que você exerce um cargo de confiança (ex. gerente, diretor, supervisor, encarregado, fiscal), se não estiverem presentes os requisitos acima, você terá direito a horas extras.

Isso porque para a Justiça o que vale é a realidade do trabalho prestado, e não o cargo anotado na carteira de trabalho. Veja a recente decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região:

CARGO DE CONFIANÇA. Exceção do artigo 62, II, da CLT. Para se configurar o cargo de confiança como fator exceptivo do direito a horas extras e outros acréscimos remuneratórios, não basta a simples designação ou nomenclatura do cargo efetivamente ocupado, é necessária a demonstração inequívoca do exercício de encargos de gestão, que consistem na representação do empregador em vários setores e serviços da empresa ou em ramo relevante de sua atividade, com poder de mando e liberdade de decisão, constituindo uma difusa descentralização de poderes decisórios e de autoridade do empregador, bem como a percepção de gratificação não inferior a 40% do salário efetivo em razão do cargo ocupado. (TRT 3ª R.; ROT 0010423-33.2021.5.03.0015; Primeira Turma; Relª Desª Adriana Goulart de Sena Orsini; Julg. 09/02/2022; DEJTMG 11/02/2022; Pág. 664)

Na prática, existem alguns elementos que demonstram que um cargo não é de confiança. Vamos a eles:

SEU CARGO NÃO É DE CONFIANÇA SE VOCÊ
Possui um ou mais superiores hierárquicos no local de trabalho;
Não possui autonomia para advertir, suspender ou demitir funcionários;
Não tem autonomia para tomada de decisões importantes;
Não tem poderes de mando e gestão;
Não recebe gratificação de função de 40% sobre o seu salário.

Ou seja, se o seu trabalho apresentar algumas dessas características, muito provavelmente você não exerce um cargo de confiança.

E isso abre a possibilidade para que você receba não somente as horas extras não pagas, como outros direitos relacionados à jornada de trabalho, como, por exemplo, horas de sobreaviso, intervalo intrajornada e adicional noturno.

2. Quanto estou perdendo?

O valor desses direitos, evidentemente, varia conforme o salário, a jornada de trabalho, a modalidade da rescisão do contrato e as normas coletivas aplicáveis à sua categoria profissional.

De toda forma, vamos fazer uma estimativa para que você tenha noção do que está em jogo.

Suponha que você trabalhou para uma empresa durante cinco anos, com um salário de R$ 5.000,00, até ser demitido sem justa causa. Considere também que nesse tempo todo você realizou em média quatro horas extras por dia, sem receber nada a mais por isso.

Nesse cenário, qual seria o valor total das horas extras devidas pela empresa? Fazendo uma conta de padaria, o valor alcançaria facilmente os R$ 300.000,00. Se você quiser conferir, basta clicar aqui para acessar a calculadora de horas extras do Cálculo Exato.

Ou seja, um valor bastante elevado, concorda? É por conta dessa economia gerada ao longo dos anos que muitas empresas forçam a barra na tentativa de enquadrar determinado funcionário num cargo de confiança.  

A boa notícia para o trabalhador lesado com esse tipo de manobra é que é possível recuperar esses valores.

3. O que fazer para receber meus direitos?

Se você pretende receber esses direitos, uma possibilidade é tentar negociar diretamente com o empregador. Ocorre que, diante dos altos valores envolvidos nesse tipo de demanda, dificilmente ele dará o braço a torcer.

Nesses casos a saída é ingressar com uma ação judicial para requerer o pagamento dos direitos inadimplidos. Vale ressaltar que o prazo de prescrição trabalhista é de cinco anos, ou seja, não é possível cobrar direitos trabalhistas de um período anterior a esse.

Numa ação judicial, a produção de provas se concentrará em dois pontos básicos: definir se o trabalhador exercia ou não cargo de confiança e; delimitar a jornada de trabalhado do empregado.

É isso que vou esclarecer a seguir.

4. Como provar que meu cargo não é de confiança?

Via de regra, o ônus da prova quanto ao cargo de confiança é do empregador. Em outras palavras, é ele  quem deve comprovar que o trabalhador exercia um cargo de confiança e não o contrário.

Isso quer dizer que você pode ficar tranquilo e não precisa produzir provas no processo?

Nem tanto! O fato de o ônus da prova recair sobre o empregador te dará uma grande vantagem processual, sem dúvidas. Mas não é suficiente para garantir a vitória.

Até porque a tendência é que o empregador defenda seus interesses a todo custo, ainda que para isso ele tenha que omitir informações e manipular testemunhas. Infelizmente isso acontece muito na Justiça do Trabalho. O fair play às vezes passa longe.

Por isso é muito importante que você esteja preparado. Apresente a seu advogado todas as provas que estiverem a seu alcance (documentos, e-mails, áudios, conversas de WhatsApp, holerites, etc.).

Além disso, tente encontrar testemunhas que trabalharam com você durante boa parte do contrato e que estejam dispostas a esclarecer os fatos perante o juiz.

5. Como provar minha jornada de trabalho?

Em relação à jornada de trabalho, por força do art. 74 da CLT, o ônus da prova varia conforme a quantidade de funcionários do empregador.

Se a empresa possuir menos que vinte empregados, ela não é obrigada a manter o registro do ponto. Em razão disso, cabe ao empregado comprovar a jornada de trabalho alegada. Ou seja, você deve, por meio de documentos e/ou testemunhas, demonstrar que realizava hora extras.

Já uma empresa com mais de vinte funcionários tem o dever de apresentar os controles de jornada respectivos, sob pena de se presumir verdadeira a jornada mencionada pelo trabalhador.

Entretanto, essa presunção não é absoluta, de modo que ela pode ser desconstituída por meio de outras provas trazidas pelo empregador. Nesse último caso, o trabalhador também terá uma vantagem processual importante, mas deve estar preparado para o embate.

Dessa maneira, em ambas as situações você deve estar munido de provas e testemunhas capazes de comprovar sua jornada de trabalho e, portanto, garantir o recebimento dos seus direitos (horas extras, horas de sobreaviso, adicional noturno, etc.).

6. Conclusão

Nesse post eu te expliquei como verificar se o cargo que você exerce é realmente de confiança.

Isso porque muitas empresas vem utilizando erroneamente esse instituto como forma de deixar de pagar os direitos trabalhistas de seus empregados.

Para que você não caia nessa armadilha, te contei tudo sobre o assunto e o que fazer para cobrar seus direitos.

Se você conhece alguém que também tem interesse nesse tema, não deixe de compartilhar nosso conteúdo.

Agora, se você está nessa situação e precisa de orientação jurídica, nossa equipe conta com advogados especialistas em Direito do Trabalho e está disponível para contato.

Por fim, não deixe de conferir os outros artigos de Direito do Trabalho do nosso blog!

Conteúdo produzido por Marcelo Ferreira Cruvinel e Jaite Corrêa Nobre Júnior, advogados do escritório Nobre & Cruvinel – Sociedade de Advogados.

Marcelo Ferreira Cruvinel

Advogado graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina - UEL. Pós-graduado em Direito Empresarial do Trabalho pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas - FGV. Pós-graduado em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica - PUC. Membro da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Paraná (OAB-PR 61.510).